Para quem não está acostumado a termos teológicos, chamamos de “Grande Comissão” a ordem dada por Cristo aos Seus discípulos antes de Sua ascensão, registrada em Mateus 28:18-20:
“Chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado. E certamente estou convosco todos os dias, até a consumação do século.”
Dois milênios se passaram… será que a igreja tem feito o dever de casa? Será que nossa agenda se ajusta à Grande Comissão, ou seria melhor definida como a Grande Omissão?
Antes de responder a esta questão, vamos tentar compreender melhor a natureza desta comissão.
Primeiro, há que se compreender que para cumpri-la, a igreja teria que depender da atuação do Espírito Santo. A Grande Comissão foi confiada aos discípulos no último discurso de Jesus. De acordo com o relato de Lucas, Jesus garantiu que os discípulos receberiam uma habilidade especial ao descer sobre eles o Espírito Santo, e que lhes conferiria o status de testemunhas, começando por Jerusalém, alcançando toda a Judéia, Samaria e “até os confins da terra” (At.1:8).
Portanto, sem a presença do Espírito, jamais seríamos capazes de concluir esta obra. E mais, o conteúdo da mensagem poderia diluir-se com o passar dos anos. Por isso Jesus afirmou: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo.14:26). Havia, de fato, coisas sobre as quais Jesus não havia tratado ainda com Seus discípulos, e que caberia ao Espírito revelá-las. Jesus confessou: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier o Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade” (Jo.16:12-13a). Portanto, a atuação do Espírito na igreja seria capacitadora, pedagógica e, por isso mesmo, imprescindível. Precisamos aprender a depender mais d'Ele e menos de nossas estratégias.
Para que o Espírito nos fosse outorgado, Cristo teria que ser exaltado à destra do Pai, e isso equivaleria a receber toda a autoridade no céu e na terra. Como Ele mesmo disse: “Convém que eu vá, porque se eu não for, o Consolador não virá para vós; mas, se eu for, eu o enviarei” (Jo.16:7).
Engana-se quem pensa que após ser assunto ao céu, Jesus assentou-se num trono mais parecido com uma cadeira de balanço, e que esteja esperando pra receber autoridade do Pai somente num milênio. Não! A única garantia que temos que seremos bem sucedidos no cumprimento da Grande Comissão é o fato de Jesus estar reinando.
A Grande Comissão é o meio através do qual Seu governo é estendido a todas as nações (Rm.16:26).
A palavra grega traduzida por reino é “basileia”, que poderia ser traduzida como império, isto é, um reino em franca expansão. Não se trata de anexar novos territórios, mas alcançar novas consciências, levando-as a reconhecê-Lo como o Senhor de toda a Criação.
Isaías profetizou acerca disso: “Do aumento do seu governo e paz não haverá fim. Reinará sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o fortificar em retidão e justiça, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto” (Is.9:7).
A cada passo que a igreja dá em sua marcha triunfal, o Reino de Cristo se expande. Vidas são reconciliadas com Deus. Sociedades inteiras são transformadas. Era isso que os puritanos e avivalistas dos três últimos séculos chamavam de “avivamento”.
Não tem nada a ver com povoar o céu. Tem a ver com encher a terra do conhecimento da glória de Deus (Is.11:9).
Cristo não está esperando um sinal do Pai pra começar a reinar. Ele reina agora, e “convém que ele reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo dos seus pés” (1 Co.15:25).
No cumprimento da Grande Comissão, os discípulos de Jesus subvertem a ordem, e por onde passem, declaram o Senhorio de Cristo. Por isso, dizia-se acerca deles: “Estes que têm alvoroçado o mundo, chegaram também aqui” (At.17:6b).
Interessante notar que o verbo “alvoroçar” tem a mesma origem do verbo “alvorecer”. É justamente isso que os discípulos de Jesus fazem ao subverter a ordem, anunciar a chegada da alvorada, do Reino de Deus. À medida que caminham pelos rincões da Terra, trazem consigo o alvorecer do novo dia. Cumpre-se, então, o que diz Probérvios 4:18: “A vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito”.
Se tudo isso é verdade, por que temos a impressão de que a igreja tem falhado em sua missão?
A resposta não é tão simples, mas me atrevo a apontar uma das razões: Limitamos a grande comissão à tarefa de ganhar almas, isto é, fazer prosélitos.
Até a expressão “ganhar almas” soa estranha. “Todas as almas são minhas”, disse o Senhor (Ez.18:4). Como podemos ganhar pra Ele o que já foi comprado com Seu próprio sangue?
Examine as palavras usadas por Jesus na Grande Comissão. Em momento algum fala de “ganhar almas”, e sim de “fazer discípulos”.
Imagine se toda mãe achasse que seu papel seria tão-somente parir. Depois de cortado o cordão umbilical, a criança seria entregue à própria sorte.
Ser mãe é muito mais do que dar a luz. É também amamentar, educar, guiar, ser exemplo. Paulo toma esta analogia ao escrever aos Gálatas: “Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós” (Gl.4:19).
A igreja não é só uma maternidade onde novas vidas são geradas. É mais que isso. É uma espécie de fábrica de que “cristos” em série. Aliás, o termo “cristão”, embora pareça estar no superlativo, significa literalmente “pequenos cristos”.
Discipular é reproduzir cópias do Mestre. Ele é, por assim dizer, nosso protótipo, nosso referencial.
Mas como fazê-lo? Ensinado-os a guardar tudo quanto Ele disse. Já ouvi de alguns que sermões como o das bem-aventuranças não servem para nós, gentios, pois teriam sido destinados exclusivamente aos judeus. Há até um ultra-dispensacionalismo que ensina que somente os escritos de Paulo são válidos hoje. Tudo isso não passa de aberração doutrinária que deve sofrer nosso repúdio. Uns focam a obra expiatória de Cristo na Cruz, e se esquecem de Seus ensinamentos. Outros enfatizam-nO como Mestre e O negligenciam como Salvador.
Se quisermos cumprir a Grande Comissão, temos que pregar o Evangelho integralmente, sem tirar nem por. Tudo o que Ele ensinou é para hoje, é para sempre. No dizer de Paulo, “toda Escritura ( e isso inclui o Antigo e o Novo Testamentos, os sinópticos, as epístolas, etc.) é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda boa obra” (2 Tm.3:16-17).
Nosso dever não é preparar ninguém pra vida após a morte. É preparar os homens para toda a boa obra aqui. Mesmo porque depois da morte “não há obra, nem projetos” (Ec.9:10).
Portanto, discipular é preparar vidas para reproduzir Jesus neste mundo. É lançar as bases de uma nova civilização, pautada na ética do Reino de Deus e em sua justiça.

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